O Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin anuncia o lançamento de uma série mensal de reportagens que trarão ao público brasileiro traduções inéditas de escritos de Pierre de Coubertin. De abril de 2025 a março de 2026, doze textos serão traduzidos para o português, resgatando o legado do fundador do Movimento Olímpico para as novas gerações de leitores e entusiastas do esporte.
O primeiro texto é o único conto de Páscoa escrito por Coubertin, publicado na Revue Olympique, ano 12, abril de 1912, pp. 56-58. A obra, que até então só estava disponível em francês, resgata os valores de superação, solidariedade e amor pelo esporte, transmitidos por Coubertin em um cenário onde a tradição e a modernidade se encontram. A tradução, realizada com cuidado para manter a mensagem original, vem ao encontro de leitores e entusiastas do esporte que buscam descobrir mais detalhes sobre a obra de Coubertin. Essa tradução faz parte de um esforço maior do CBPC para difundir o legado de Coubertin e incentivar a prática esportiva.
Uma vocação – CONTO DE PÁSCOA
“A velha igreja e o jovem ginásio erguiam-se lado a lado num contraste marcante. Jamais esse contraste pareceu tão interessante como naquela manhã. Jean o observava, encostado – por falta de fôlego – em um dos montantes da barra fixa, onde acabara de conseguir, com maestria, realizar diversos movimentos nos quais, até então, havia fracassado. Ele sentia uma espécie de intensa alegria física. E justamente naquele momento, da torre gótica vizinha, ecoaram no grande silêncio os poderosos sons dos sinos. Era o Sábado Santo. A escola estava de recesso, assim como a sociedade de ginástica. O ginásio repousava sem o zelo de Jean, que, amigo do velho zelador, havia obtido a chave para trabalhar lá sozinho, segundo sua própria ideia, sem instrutor nem colegas. Seu sonho, afinal! E, ao tê-lo finalmente realizado, ao possuir para si aquela bela sala limpa e envernizada, inundada de luz e repleta de aparelhos que simbolizavam força e agilidade – que falavam de saúde, juventude e futuro – sua alma se enchia de júbilo. Uma primavera tumultuada agitava-se dentro dele, enquanto o mundo inteiro se revelava em matizes de rosa e azul.
Pelas grandes janelas modernas e arejadas do ginásio, que perfuravam abundantemente a parede leve, despontava a delicada e elaborada composição da igreja: seu abside recortado, onde se aninhavam os pássaros, as longas gárgulas musgosas, os sólidos contrafortes e os sinos ornamentais – todo esse universo das antigas catedrais, onde se expressava a fervorosa e, por vezes, inquieta piedade dos tempos passados. Jean, que acabara de se dedicar com vigor primaveril aos exercícios nas barras paralelas, voltou a admirar aquela arquitetura incomparável. A beleza do edifício antigo e o conforto do moderno o encantavam: ele amava sua época.
Para desfrutar maior liberdade de movimentos, naquela manhã ele exibia o peito e as pernas descobertos. Uma simples calça curta de flanela – tão leve que mal se fazia sentir – constituía todo o seu traje. Essa peça fora confeccionada segundo as suas exigências de verdadeiro sibarita, de modo a ocupar o meio termo entre aquelas, demasiadamente justas, que usam os ginastas e aquelas, excessivamente largas, que vestem os corredores. Jean estava encantado com tudo naquele dia; na verdade, seria difícil imaginar um traje esportivo mais agradável e perfeito.
De súbito, emergiu em sua lembrança a imagem da operária que havia cortado e costurado aquela obra-prima. Ela vinha, durante o dia, à casa da mãe de Jean. Era uma pobre moça, anêmica como todos os de sua família – numerosa, na qual faltara, quase em igual medida, uma alimentação adequada e ar puro. Por vezes, Jean avistara os irmãos mais novos da jovem, crianças simpáticas, desprovidas de defeitos hereditários, que, com pouco, poderiam se tornar fortes, mas que permaneciam frágeis.
Uma grande piedade o acometeu ao pensar que aqueles meninos – e tantos outros junto com eles – eram privados do esporte, da ginástica, de todas as alegrias musculares pelas quais o adolescente, por assim dizer, sente a benéfica força penetrar em seus membros e desenvolvê-los. E, de fato, nada desses prazeres era supérfluo, nada deles luxo. Até o remo poderia ser um esporte popular. O que seria necessário para isso? Um barco e um pequeno galpão. E para as corridas a pé, as provas de cross-country? Menos ainda. E para o futebol? Bastaria um campo de jogo. Os municípios, que tanto dispêndem com “serviços públicos” cuja importância muitas vezes é relativa, esquecem, assim, do que é, na verdade, o mais essencial de todos.
Jean, que refletia sobre essas questões pela primeira vez, mal podia acreditar. Sentiu em si mesmo a alma de um apóstolo e o ardor de um “Pedro, o Eremita”, pronto para pregar essa nova cruzada. Em todo lugar, as comunidades seriam obrigadas, por lei, a manter grandes prados equipados com o material de jogo necessário e com um mestre competente, encarregado de organizar os esportes, ensiná-los e supervisioná-los. Seriam fabricados, em milhares, excelentes jerseys de lã rústica vendidos a preço de custo. Seriam construídos ginásios rudimentares em madeira branca, com telhados de chapas onduladas. Meu Deus, quantas coisas se fariam com um pouco de dinheiro e boa vontade! Ninguém tinha, até então, pensado nisso.
— Pois bem! Entre todos esses homens, todos esses jovens que amam o esporte e se dedicam a ele regularmente, ninguém ainda havia tido a ideia de compartilhar essa receita de vida, essa fonte de alegrias saudáveis com os desfavorecidos?
Bem, Jean faria disso o seu negócio. Está decidido. A partir de amanhã, ele se lançaria em campanha; reuniria assinaturas, escreveria artigos nos jornais. E, encantado com essas perspectivas humanitárias generosas – sem, quiçá, perceber que elas também lhe sorriam, pois lhe dariam a oportunidade de frequentar os ginásios e os campos de jogo um pouco mais do que sua família desejaria – Jean subia, alerta, na corda lisa, enquanto, do alto da torre gótica, retumbavam, a toda a sua força, os sinos da Páscoa, os sinos da Ressurreição”.
COUBERTIN, Pierre. Une vocation. Conte de Pâques. [A Vocation. An Easter Story.] In: Revue Olympique, 12e année, avril 1912, pp.56-58.
Ao se comparar a mensagem do conto com os Jogos Olímpicos modernos, nota-se que os ideais eternizados por Coubertin – a busca incessante pela excelência, o espírito de união e a democratização do esporte – permanecem vivos no cenário global. O conto celebra o despertar de uma paixão, ressaltando a importância de proporcionar o acesso ao esporte para todos, enquanto os Jogos Olímpicos modernos seguem firmes na missão de unir culturas, promover a ética e incentivar a inclusão social. Assim como Coubertin sonhou com espaços públicos que fomentassem a prática esportiva e o bem-estar, as atuais competições Olímpicas espelham essa visão, não apenas por meio de altos desempenhos atléticos, mas também por iniciativas que integram comunidades e impulsionam o desenvolvimento humano.
O Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin deseja a todos uma feliz Páscoa, repleta de saúde, paz e o calor das conquistas que, juntos, nos inspiram a seguir transformando o mundo através do esporte!
Créditos da imagem: Imagem gerada por inteligência artificial, através do https://chatgpt.com/ (Ilustra o conto de Páscoa escrito por Pierre de Coubertin, em que o jovem Jean descobre a paixão pelo esporte enquanto os sinos da catedral anunciam a Ressurreição. A cena simboliza o encontro entre tradição e modernidade, fé e vigor juvenil — temas centrais na obra de Coubertin).