Hoje, dia 23 de junho, celebra-se o Dia Olímpico em homenagem à criação do Comitê Olímpico Internacional (COI), ocorrida na mesma data em 1894 por Pierre de Coubertin.
A criação do COI foi uma das efetivas consequências dos investimentos que Coubertin dedicou durante toda sua vida para a humanização de um mundo ferido por conflitos políticos e guerras que fechavam portas culturais e cerravam os sonhos de muitos jovens. Foi nessa perspectiva que o francês, nascido em 1 de janeiro de 1863, decidiu lutar pela restauração dos Jogos Olímpicos após 12 séculos, quando ainda eram realizados na Grécia Antiga.
Coubertin estudou durante sua juventude em uma escola jesuíta, onde aos 13 anos conheceu o livro “Tom Brown’s School-days” pelo seu professor. A obra retratava a história de um menino excluído dos demais ciclos sociais da turma em uma escola britânica, mas que conseguiu reverter a situação através da prática esportiva e educativa ao se destacar em suas atividades. Este fato lhe inseriu em novos contextos e mudou sua perspectiva de vida. A partir desta ótica, com o passar dos anos Coubertin passou a admirar e a refletir sobre a necessidade de instaurar em seu país, França, uma nova maneira de enxergar os estudos e o esporte, quebrando divisões monótonas de aprendizagem e se inspirando em novas concepções, neste caso, na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde passou tempo da sua vida viajando para conhecer os horizontes de ensino de cada local.
Antes de se aventurar fora da França, Coubertin já havia criado grande admiração por Thomas Arnold, clérigo e diretor do Rugby College durante 14 anos a partir de 1828 que marcou a pedagogia inglesa com suas obras educacionais. Coubertin nunca pôde o conhecer, mas identificou o que Arnold fez ao transformar a escola em uma instituição dando ênfase para a iniciativa, a liberdade para formar uma equipe que ajude o pleno desenvolvimento do indivíduo, bem como o sabor de dar o melhor de si e lidar com os resultados. Em uma de suas passagens, Arnold declara: “Quero, dizia, formar Christian Gentlemen; meu objetivo é ensinar aos meninos a governar-se a si mesmos, o que é bem melhor que eu os governe”. Foi nesta perspectiva que Coubertin conheceu e utilizou a Inglaterra como exemplo a ser seguido.
No entanto, foi no país britânico que o Barão conheceu os “Jogos Olímpicos” locais de Much Wenlock. Estes Jogos iniciaram em 1852 por meio da iniciativa do médico e professor Dr. William Penny Brookes, que também fora Presidente da Olympian-Society dessa cidade. Coubertin visitou o evento em 1890 e, junto com as escavações descobertas em Olímpia, talvez tenham sido os dois maiores pontos de relevância que lhe introduziram uma ideia mais concretizada de realizar Jogos Olímpicos internacionais.
Em outros tempos, ao visitar os EUA Pierre de Coubertin conheceu o ex-Presidente americano Theodore Roosevelt, com o qual teve uma estreita relação intelectual e pessoal. Roosevelt não somente esteve ligado ao Movimento Olímpico como presidente de honra dos Jogos Olímpicos de 1904 em Saint Louis, senão que Coubertin considerava-o o modelo de homem Olímpico do século XX versado em todos os campos e formado olimpicamente. Os trabalhos do americano chamaram atenção de Coubertin sobretudo pelo método humanista pelo qual baseava-se, dando ênfase para os valores humanistas acima de qualquer benefício. Coubertin diz: “No passado, quando era responsável por dirigir a polícia de Nova Iorque, e preocupado com as brigas sangrentas que se repetiam constantemente no que era chamada “a cidade baixa”, Theodore Roosevelt abriu naqueles bairros de má fama um determinado número de salas de boxe gratuitas e como diminuiu de imediato e numa proporção assombrosa o número de brigas de rua”.
Todas essas experiências formaram os componentes básicos que levaram Coubertin a explorar cada vez mais os campos esportivos e educacionais na França. Ele tinha o desejo de converter a prática de exercícios físicos como um gesto para pessoas de classes altas da sociedade em um direito comum de todo cidadão. Segundo o Barão, dentro de uma pista esportiva podia-se afirmar que era o único local em que um filho de um operário e um filho de um rei poderiam competir sob as mesmas condições, e por isso o esporte deveria ser algo universal, unificando um espírito de igualdade e unindo as pessoas para celebrar o desenvolvimento integral de cada sujeito.
Para o francês, o esporte e a educação deveriam andar alinhados, e por isso seria necessário que cada esportista se dedicasse também à cultura intelectual. O esporte deveria ser uma ferramenta intermediadora entre os passos iniciais de uma aprendizagem para a vida e um espírito superior de plenitude a partir dos valores éticos e morais, e, por isso, o atleta não seria sujeito em ser apenas o mais rápido no que cerne suas provas de atletismo, mas o mais capaz em assimilar o entendimento das ideias com velocidade a fim de efetivar sua prática; enquanto a força não diz respeito unicamente à capacidade de golpes precisos com o objetivo de abater o adversário, mas em resistir às barreiras da vida e conseguir se levantar quando necessário e, finalmente, os praticantes deveriam ser filosoficamente construtivos para servirem como exemplo da sociedade e nesta atmosfera alcançariam um senso crítico e de integridade em detrimento de se preocuparem apenas em serem os mais altos nas suas provas de marca. Este foi o real significado do Lema Olímpico “Citius, Altius, Fortius” (mais rápido, mais alto e mais forte). O Lema foi cunhado pelo padre dominicano Henri Didon, que o colocou no centro de seu discurso durante uma entrega de prêmios em 7 de março de 1891 diante da associação desportiva de alunos da “Ecole Albert-le-Grand” por ele dirigida em Archeuil, próximo de Paris. Coubertin, que estava presente, tratou disso numa breve nota na revista Les sports athlétiques. Posteriormente voltaria com frequência a esse Lema, já que respondia com bastante exatidão a sua concepção da pedagogia desportiva. Essa foi a razão que permitiu ao congresso fundador de 1894 escolher essas três palavras como Lema do novo Movimento Olímpico.
A valorização do esporte como ferramenta educacional para o desenvolvimento do caráter foi um dos pilares centrais do pensamento de Coubertin. De igual importância era sua crença na aprendizagem intercultural. Ele se familiarizou com isso por meio de seus contatos próximos com os principais representantes do crescente movimento pela paz no final da década de 1880 e início da década de 1890. Segundo Coubertin, os Jogos Olímpicos devem ser uma plataforma para reunir atletas e espectadores de diferentes nações. Os Jogos Olímpicos deveriam fornecer um caminho útil para a criação e expansão de relacionamentos amigáveis por meio do entendimento mútuo. Ele justificou sua intenção de apoiar o entendimento transnacional por meio do restabelecimento dos Jogos Olímpicos porque o esporte gozava de um interesse crescente em todo o mundo. Os Jogos Olímpicos, com suas regras e regulamentos obrigatórios para os atletas, visavam facilitar as atividades esportivas internacionais; o ciclo Olímpico de quatro anos em cidades-sede diferentes deve garantir a continuidade da competição esportiva internacional, dando a oportunidade de novos locais viverem a experiência Olímpica e, consequentemente, transformar sua maneira de enxergar as necessidades do mundo.
Em sua ideia de reviver os Jogos Olímpicos modernos, Coubertin foi estimulado por sua valorização cultural dos antigos Jogos Olímpicos, as escavações alemãs em Olímpia de 1875 a 1881 e por várias iniciativas que ocorreram, entre outras, na Grécia (Jogos Olímpicos de Evangelis Zappas) e Inglaterra por William Penny Brookes a nível regional e nacional. Nenhuma dessas iniciativas teve caráter internacional e não sobreviveu à passagem do século 19 para o século 20. Mas Coubertin não queria apenas copiar os Jogos Olímpicos antigos, ele queria cunhar um perfil moderno dos Jogos Olímpicos. Ele pretendia estabelecer um festival atlético internacional cuja força motriz deveria ser um objetivo educacional. Os Jogos Olímpicos devem promover o valor do esporte como ferramenta educacional. Na verdade, a ideia era que o esporte pode contribuir para a educação dos cidadãos modernos. A participação em competições esportivas deve apoiar o desenvolvimento de traços de caráter altamente sociais e morais, que podem ser transferidos para além do contexto esportivo, para a vida cotidiana privada e profissional.
Desse modo, em novembro de 1892 durante Conferência proferida na Sorbonne, Coubertin pode se atrever a pronunciar pela primeira vez em público a ideia da renovação dos Jogos Olímpicos ao final de uma conferência numa aula da Universidade de Sorbonne: “Permitamo-nos exportar remadores, corredores, esgrimistas; este é o livre comércio do futuro, e o dia em que for introduzido nas muralhas da velha Europa a causa da paz terá recebido um impulso novo e poderoso. Isto é suficiente para animar a este vosso servidor para que sonhe agora com a segunda parte do programa […] a restauração dos Jogos Olímpicos”. O público ficou surpreso com a apresentação dessa ideia ambiciosa e reagiu de forma moderada. Alguns imaginaram que Coubertin havia desenvolvido a ideia de uma forma mais ou menos espontânea. Mas isso foi erroneamente percebido pois Coubertin havia mencionado esta ideia anteriormente para Andrew D. White, o presidente fundador da Universidade Cornell nos Estados Unidos da América em uma carta datada de 23 de julho de 1892. Antes mesmo disso, entre 1888/89, Coubertin mencionou sua ideia de planejar uma organização de esporte para todas as nações para William Milligan Sloane, professor na Universidade de Princeton nos Estados Unidos e também para Hippolyte Adolphe Taine, historiador e filósofo francês. Apesar da indiferente reação do público em novembro de 1892, Coubertin não desistiu de sua ideia Olímpica.
Coubertin além de grande humanista, esportista, historiador, jornalista e pedagogo, também estudou direito e desenvolveu com os anos grande aptidão para a política, e foi neste quesito que se dedicou durante os dois próximos anos, a fim de aproximar alianças e autoridades importantes de diversos países para receber maior apoio em 1894, quando clamava pela necessidade de um Congresso Atlético Internacional que, mais tarde, se tornou no Congresso para o Restabelecimento dos Jogos Olímpicos. Para assegurar-se de seu propósito, Coubertin havia realizado reuniões preparatórias com os representantes desportivos locais em Nova Iorque no dia 27 de novembro de 1892 e em Londres no dia 7 de fevereiro de 1894, com o objetivo de apoiar um novo passo para a vitória. Ainda no mesmo ano ainda havia muitos céticos em relação aos seus planos, mas mesmo assim 78 delegados de 37 federações desportivas de nove países votaram pela implantação dos Jogos Olímpicos, aprovaram as regras para sua celebração e confirmaram a lista de membros do Comitê Internacional de Jogos Olímpicos apresentada por Coubertin. Desta forma foi estabelecido os Jogos Olímpicos da Era Moderna.
Sobre o momento, Coubertin refletiu: “Sua restauração foi decidida por unanimidade. Propusemos inaugurá-los em 1900, mas preferiu-se adiantar a data. Adotou-se a de 1896 e, com a proposta do Sr. Bikelas, Atenas foi designada como o primeiro lugar no qual seriam realizados os Jogos. Decidiu-se que os seguintes seriam realizados em Paris em 1900, e que então fossem realizados a cada quatro anos nas grandes capitais do mundo. O congresso nomeou um Comitê Internacional de quatorze membros para velar pela execução de suas decisões. Assim nasceu uma obra que parecia chamada a ter um destino feliz […] Pessoalmente, reivindico em voz alta sua paternidade, e quero agradecer aqui uma vez mais àqueles que me ajudaram a conduzi-la a bom porto; àqueles que acreditam comigo que o atletismo sairá engrandecido e enobrecido, e que a juventude internacional extrairá de tudo isso amor pela paz e respeito pela vida”.
O COI inaugural foi composto principalmente por indivíduos que apoiaram a ideia de Coubertin nos anos anteriores ao estabelecimento do Movimento Olímpico Moderno. O primeiro boletim do COI continha a seguinte lista de membros do COI: Demetrius Vikelas (Grécia), Pierre de Coubertin (França), Ernest Callot (França), William M. Sloane (EUA), Ferdinando Lucchesi-Palli (Itália), Aleksey D. Boutowsky (Rússia), Jiri Guth-Jarkovsky (Bohemia), Viktor G. Balck (Suécia), Leonard A. Cuff (Nova Zelândia), José B. Zubiaur (Argentina), Charles Herbert (Grã-Bretanha), Arthur OVR Amphtill (Grã-Bretanha) e Ferenc Kemény (Hungria). O primeiro Presidente se tornou Vikelas, que permaneceu no cargo até o final dos Jogos Olímpicos de Atenas em 1896. Ele foi seguido por Coubertin.
Coubertin escreveu sobre o valor dos Jogos Olímpicos como um veículo para apoiar o desenvolvimento da paz entre nações no seu artigo “Os Jogos Olímpicos de 1896” que foi publicado em 1896 na revista americana The Century Illustrated Monthly Magazine: “Deve a instituição [Jogos Olímpicos] prosperar, – como eu sou persuadido, todas as nações civilizadas auxiliando nisso, ele irá – eles talvez poderão ser um potente, indiretamente, fator em assegurar paz universal. Guerras iniciam por causa do desentendimento entre nações. Nós não teremos paz até o preconceito que agora separa as raças continuar a sobreviver. Para alcançar esse fim, qual outra melhor maneira do que trazer periodicamente jovens de todas as raças para amigáveis testes de força e agilidade?”